sexta-feira, 4 de março de 2016

As jabuticabas e o urubu-rei




Trezentos metros, mais ou menos, era a distância entre o portão do sítio e a soleira da casa. Muitos pés de jabuticaba de cada lado, separadas de três a quatro metros uma árvore da outra. Na frente da casa um ou duas jaqueiras, não lembro bem. Do lado direito, vagamente cercas de algum canteiro qualquer. Ali, horas a fio, aquele bicho incomum: ururbu-rei. Parado, pousado na tora de cerca. Preto e branco, topete escarlate e, se a memória não me trai, uma nesga amarela. Isso faz muito tempo, mais ou menos 60 anos. Taubaté, Sítio do Visconde ou do Pica-Pau Amarelo.
Quinze anos depois de chegar em Porto Alegre, muito lentamente comecei a ter envolvimento político. Período da Ditadura, Colégio Luciana de Abreu, Colégio Júlio de Castilhos e Rua Olavo Bilac. O jogo de xadrez, torneios aqui no Brasil e fora (Uruguai, Argentina, Cuba e vários outros lugares no mundo). Quase quarenta anos depois desse período, assinei ficha de filiação partidária. Analisei o partido como se fosse analisar uma partida de xadrez. Partido escolhido, lá fui eu de caniço e samburá.
Sempre tinha alguém querendo atirar no urubu-rei. De alguma forma, eu fazia barulho para que ele fugisse. Algumas eleições ocorreram. Nunca quis concorrer. Queria trabalhar pelo partido. Mas o urubu-rei sumia a tempos depois voltava.Num congresso, sem ser avisado, quase fui demovido da pasta que ocupo. Até hoje não sei bem o motivo disso, que considero uma traição. Pensava eu: por que meu partido não operava na majoritária. Tem algo errado ou incompreensível na minha análise. O partido é de médio/grande porte visto pela ótica nacional. Pela local, é médio. Muda de posição, conflitos e pequenas intrigas, coisas de partido político. Será?
Lá voltava o urubu-rei. Que diabos faz esse bicho aí? Esperando ordens ou sabe lá o quê? Tentou voar alto, mas, como Ícaro, não escutou. Dédalo tinha razão: a cera pode derreter. Acho que começa a tomar forma o motivo que considero traição. Ledo engano do urubu-rei achar o que acha. O que se sabe é suficiente para acertarem no urubu-rei e ele cair do arame. Mas será isso o melhor para nós? Será que o urubu-rei não está tão somente numa rota não adequada?Ou eu protejo esse que nasce de um jeito e passa boa parte de sua vida colorido, ou vou ter que empanturrar o urubu-rei de jabuticabas para que ele se auto-depene? 

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